É difícil a vida de profeta, do homem que
“empresta” o ouvido a Deus e a boca ao povo.
Ele ouve de Deus o que deve dizer, e diz. É
desprezado e apreciado; incompreendido e aceito; colocado na cova para morrer e
liberto, xingado e elogiado. É louco e sábio; homem de alegria e de tristeza.
De paz e de guerra.
É o profeta.
O profeta ouve o que os demais não ouvem. Vê o
que ninguém enxerga.
Ele nunca pode ser um pastor presidente porque
seu ministério está acima do líder convencional; vive nas esferas celestiais e
enfrenta as dificuldades financeiras da terra. Se é profeta, não pode ser
presidente de igreja… ele tem que falar ao presidente mas não goza das delícias
e do conforto do poder. Muitas vezes o profeta se viu diante da possibilidade
de liderar, de mandar, de executar, mas seu ministério é mais alto, mais
transcendental.
Ele foi chamado para ser o porta-voz de Deus e na
maioria das vezes o cargo de presidente não se enquadra com seu ministério. Ele
vive bem acima de um presidente de igreja, mas profundamente abaixo no que diz
respeito às demais coisas da vida.
Alimenta-se de gafanhotos, não de caviar, mas tem
o privilégio de comer o pão dos anjos. Seu automóvel nunca é o melhor, mas
costuma fazer passeios nas carruagens de fogo.
Deus pede que o profeta, muitas vezes, se afaste
da congregação local, da denominação, da liderança ministerial, única forma de
Deus tratar com a igreja. É como se Deus estivesse dizendo ao profeta: “Sua
presença profética, intercessora, compassiva; sua renúncia, suas várias milhas de
caminhada de paciência; a força de amizade que você tem diante de mim, me
impede de tratar com a congregação. Não consigo tratar com os líderes com você
no meio deles; não consigo tratar com a igreja, com você amando e sentindo
compaixão por ela; preciso que você caia fora…deixe-me agir”.
O profeta ensina a congregação, e sofre
desiludido com a falta de resposta. Ele quer ver os dons abundantes, santidade,
honestidade, fidelidade, zelo, no entanto…
O profeta se vê obrigado por Deus a abandonar a
liderança, para que Deus trate diretamente com os líderes. Vê-se obrigado a
renunciar à vida congregacional, para que Deus trate com os sentimentos da
Igreja.
O profeta conclama a oração. A liderança vê nisto
uma boa coisa para a igreja; ela, no entanto, da oração não participa. O
profeta suspira por um avivamento, mas desiludido vê que o pouco de avivamento
que existe é usado para o engrandecimento do homem e da instituição que dirige.
Ele vê o todo enquanto os demais vêem em parte. Ele enxerga longe, os demais perto.
O profeta sofre. Ele vê os querubins e serafins e
o trono majestoso de Deus, mas Deus não lhe permite usufruir da glória da
visão; Deus o remete ao mundo do pecado para que ele exclame: “Ai de mim,
pecador”. A glória de Deus, ao invés de ofuscar e eliminar o pecado destaca sua
iniqüidade e a iniqüidade do povo. A mesma glória que ele vê no céu, ilumina
com seu brilho o pecado destacando-o fortemente aos seus olhos. E ele sofre com
isto. Foi assim com Moisés que viu através de uma fenda da rocha a eternidade;
foi assim com Isaías e com Paulo que nem podiam descrever o que haviam visto!
O profeta de Deus sofre com os demais profetas!
Ele fala a palavra de Deus e o que escreve é
rejeitado pelos líderes e queimado na lareira da vida. Ele adverte os líderes,
mas se vê obrigado a deixá-los a mercê de seus pecados. Aquele texto bíblico
poderia ser escrito assim: “E nunca mais viu o profeta aquele líder, até o dia
de sua morte”. Mas ele insiste, ele intercede, ele ama e ouve de Deus que não
deve mais interceder por aquela pessoa… Seu amigo.
Nas madrugadas silenciosas ele procura o ombro de
Deus e, descobre extasiado que Deus está à procura de seu ombro para desabafar.
Ou então Deus desabafa: “Quanto ao João… como amo o João. Quanto mais bato
nele, mais amor sinto; quanto mais penso em consumi-lo, mais se comove por ele
o meu coração”.
Ele intercede, clama e o desabafo de Deus é: “Não
interceda mais por ele; porque eu o rejeitei”. “Não interceda mais por esta
cidade; porque eu quero destruí-la”. Mas ele insiste. Ele vê a congregação no
caminho errado; ele vê o líder vivendo na abundância de sua liderança, e clama
por misericórdia. Mas ouve Deus dizer-lhe: “Chega! Não fale mais neste assunto
comigo”.
O profeta tem que renunciar a tudo. Os demais
podem ter. Ele não. Sua vida deve corresponder em tudo com a mensagem que
prega. Para aqueles é lícito; para ele, não! Deus o “aperta” de todos os lados.
Se Deus trata com a igreja, primeiro trata com ele. Se Deus trata com a cidade,
primeiro com ele.
Ele sente fome antes mesmo da fome vir; ele sente
dores; antes mesmo dela chegar.
O profeta encarna em seu ministério a essência do
caráter de Deus. Se Deus se ira, ele também; mas não pode extravasá-la. Ele
apenas geme. Como Jeremias, geme. “Ah! Meu coração! As paredes de meu coração!”
(Jr 4.19). A ira que Deus sente por esta ou aquela situação consome seu
interior.
Literalmente ele sente dores em seu coração;
quase desfalece. Parece que tem um enfarto. O único que tem direito ao desabafo
é Deus. Deus precisa desabafar e encontra no seu companheiro, o profeta, o
amigo com o qual desabafa! E o amigo de Deus tem que ficar quieto, sofrer as
dores de Deus!
E Deus desabafa mesmo! Mas o profeta, este
intercessor amigo de Deus, dialoga com ele, convence-o de que não pode
destruir, que tem de preservar, que o seu povo merece um pouco mais de
compaixão… O profeta segura aqui embaixo a ira que vem lá de cima. E geme. E
como geme!
Mas ele também encarna a alegria de Deus! Não uma
alegria que se extravase publicamente; é uma alegria que ambos partilham em
seus momentos a sós. Deus jubila, ele também. Deus vibra, o profeta também.
Vibram juntos. Como dois companheiros alegres que caminham dando risadas, eles
também. Ninguém os entende. Mas eles riem. São amigos. E que amigos!
O profeta é o ombro no qual Deus encontra amizade
e compreensão. É o ombro no qual Deus desabafa. Deus encontra consolo no ombro
do seu amigo, profeta. Com quem desabafar senão com aquele que conhece o seu
coração?
Deus suspira o profeta também. O coração de ambos
parece ter a mesma pulsação. As lágrimas que derrama são a materialização das
lágrimas de Deus; sua inquietude também. Quanto sente gozo é porque Deus sente
também. O profeta é como se Deus estivesse materializado… falando… avisando…
alertando.
O profeta vê o que o líder da igreja não
discerne. Ele vê o futuro, a glória, a noiva adornada, o noivo chegando… o
líder muitas vezes tem seus olhos noutras coisas, lícitas, espirituais, mas não
no que o profeta vê!
E o que ele escreve, poucos entendem. A índole
profética não lhe permite associar-se com o que pensam os grandes grupos
denominacionais. O que escreve, raramente pode ser publicado. Soa irreverente.
Não está de acordo com a editora confessional; nem com a editora secular. O que
ele escreve não é publicado nem por uma nem por outra. Os extremos vividos pelo
profeta cutucam o mundo com seus pecados e mexem com a igreja e suas
“doutrinas” ou ideologias.
Sofre profeta, sofre! É por isso que às vezes num
ímpeto de fuga você quer desabafar, ir para bem longe; queimar as “pontes” os
“elos” com seus antigos patrícios. Tanto faz um navio pronto a naufragar ou um
deserto escaldante a lhe consumir. Ele não se importa. Ele quer mesmo é morrer!
Mas seu amigo que o chamou ou que o enviou não
desiste! Ele o quer perto dele, como a dizer: “Não vê que estou sofrendo por
aquela gente? Não me abandone. Sofra comigo”. E lá vai o profeta uma vez mais
renunciar a tudo o que quer e a tudo o que sente!
Deus e profeta! Que dupla amiga!